domingo, 6 de março de 2022

100 VAGAS


A gente vive nessa poça porque não da pra ser mar. A gente vive tanta coisa. Tanto pensamento pra falar, mas só me conto em gotas, que é pra aproveitar a dor. Toda minha. A enxurrada que verte pra dentro devia seguir pra algum lugar, mas ela não vira nada. O ônibus passou sem nome e seguiu vazio, igualzinho a gente na vitrine da vida. Não estou pronta pra escrever palavra, precisava perceber o que acontece ao redor. O meu raciocínio lógico segue atrofiado, assim sigo me oferecendo à lugares que não me querem. Seguimos juntos. Frustração devia resolver com relaxante, já que é dor muscular. Deve ter relação com o cimento no peito, do peito. Cimento ansioso.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Color

O cinza é uma abstenção. É aquele momento em que a criança cruza os braços, fecha a cara e diz que ta chato. A ausência de cores, dizem, é o preto, mas é o cinza.
Van Gogh cortou a própria orelha, tamanho desepero ao se dar conta que daqui ele não tinha mais para onde ir.  Ele provavelmente viu, pelas fendas de sua sensibilidade lugares bem mais vivos, aos quais ele só teria breve vislumbre. Foi a conversa fiada de todo dia no metro. Preferiu ficar sem orelha.
Eu vi seu filme. Ele não estava lá de verdade, mas os corações ficam reconfortados achando que estão vendo o mundo com seus olhos. Nenhuma daquelas cores existe. Aquilo não existe.
Tudo que há de interessante esta por trás de um quadrado luminoso, do outro lado, bem longe do nosso alcance. Era pra estimular consumo, mas só tem vendido depressão. Hollywood vende depressão e tv vende ansiedade. Caixas azuis da ilusão que se completam, na ilusão colorida de quem vive preto e branco. A vida fica cada vez mais opaca, mais cinza.
 Eu também tenho um caderno lindo, com folhas de gramatura x, encadernação y, sem pauta, onde não escrevo e não desenho há dois anos. Isso é muito opaco. É a total perda de brilho. Desmatização.
Existem duas palavras, que exigem uma emoção linguística etmológica da pronúncia, praticamente estinta. Color e Dolor. São espanholas matizadas de significados intensos, mas só quando envoltas em voz, na moldura de uma boca, do contrário elas se anulam. Só funciona em espanhol, em francês quase funciona, mas sobra alguma coisa. É uma situação territorial, coisa de fronteira. Palavras refugiadas invocadas por outras línguas, ansiosas por conhecer, sentir.
Isso é rubro, não pode ser cinza. Abstenções não fazem isso.
  Do lado de fora da janela tem uma composição de três grandes plantas. São samambais suspensas do lado de fora. Uma planta jussarica tentando, estéticamente, compensar a falta de vida no fundo de cimento. Cimento queimado agora é tendência, estilo indústrial. Mas este cimento não é queimado, é vintage.
  Um mar de pessoas torna cada pessoa um signo. Um elemento, que não é individuo.
É um elemento dentro de uma composição. Um mar de pessoas é uma coisa só, e é coberto de fuligem. Coberto de fuligem e úmido da garoa. Cimento.
Einsten viu as fendas sensíveis da vida e se curou com teorias. Talvez não fosse cura, só reação. Jogou-se em teorias por que de realidade não é possível sobreviver nessa terra.
A fonte da vida agora é rasa e suja, vai ser canalizada com a obra do metrô. E como todo esgoto, desagua no mar. Um mar de pessoas.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013



Lá vem a lua, fazendo luar na minha rua...

O momento não poderia ser mais luminoso e lindo.
 Moro em um vale encantado. 
Numa rua iluminada pela lua, e somente por ela, graças a Deus.
O vento vem avisando  sua chegada de longe. 
Na estradinha, sempre a mesma estradinha, que me leva à morada de todos os lugares, eu sigo cantando, no escuro, Pra espantar o medo besta. 
Ao meu canto responde o mato, sempre se mexendo quando passo, sempre tem alguém, algum, naquele mato. No mato todo e em todo o mato envolta. Envolta na noite, hora na luz, hora não, o morro sempre salta aos olhos. 
Eu gosto de noite de lua, ela cheia ou quase lá,  olhando Pro vale, me fazendo chorar, quando me permite ver quão lindo é o caminho, que faria mil vezes e a emoção que transborda viria nas mil. 
Seis quilômetros me separam da vila, alguns metros das casas amigas. Sempre esqueço a distancia, e varias vezes também a lanterna, mania de sempre achar que vai dar tempo de correr na frente do sol poente. 
Mania de sempre achar que vai dar tempo. Mas o tempo aqui é outro, ele não corre.  Sempre muito Pra fazer, e não querendo nada, pode também. 
Acordar cedo, treinar capoeira, cozinhar com os amigos, conhecer os amigos dos amigos, que sempre vem chegando. Sentar na frente da casa, na esteira de palha, o gramado, o sol, o almoço. Depois tem rio, alguém vai vir ai ensaiar dança afro, tem os meninos que vem Pra  percussão. E Pra que, e quem mais quiser tem musico. Veio todo mundo Pra cá, todo mundo que gosta de fazer um som, ou vários. 
Vai ter sauna, fogueira, jam na vila, forró no coreto, roda de Angola. Qualquer coisa agente se encontra na feira, Domingo.
Na volta, a tarde pode ser de filme, violão e biritinha. Esquecer da hora ou chegar cedo, Pra dormir quentinha, com Sublime Pra me ninar.
Vai de manhã subir o morro branco Pra ver o topo de tudo, Pra lá do mundo. Amigos produzindo no quintal, fazendo uma mesa e cantando com Luís Gonzaga, em português e portunhol. Espera, rapidinho acaba a mesa e vamos pro rio. 
Outro caminho, outra trilha, outra montanha, mais beleza. 
Uma casa sozinha lá em cima. Com mirante, um trapézio Pra ver todos aqueles montes de outro angulo, invertido.
 Fica cada vez melhor. 
Na casa da montanha tem fogão, e pé de tudo. Tem chá de fim de tarde Pra ver o por do sol. 
E fica cada vez melhor. Mesmo sem açúcar.
Sem conhecer os pontos mais turísticos, fico feliz, por hora, pelos paraísos quase secretos que fui apresentada. Vontade de engolir tudo, Pra ter certeza que nada se perca. 
Que meus olhos consigam registrar exatamente  como meu coração viu, e que a mente traga sempre o sentimento quando vier a lembrança. 
Quem me engoliu foi ela, beleza alem do que eu sou capaz de entender. 
Por que não precisa entender, é só ser.
 Hoje não tem lua. Noite escura de frio e chuva, mas escrever revive tudo como se fosse agora. 
Oh Santa Clara, traz a noite aberta e enluarada. Vontade de sair e dançar na clareira, em baixo da lua cheia, em volta da fogueira, com um tambor bem forte pulsando, coração e alma que incendeia.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

As agruras de hoje, que ainda bem, só duram hoje

Martim Luther King tinha um sonho, eu tenho um problema. 
O caminho mais eficiente para a decepção é idealizar. Eu sei disso, vocês sabem disso, todos sabemos, mas eu insisto no cavalo capenga da idealização.
Idealizei um Vale do Capão que não encontrei, resultado, decepção.
De ouvir falar em como o lugar era especial e lindo, esqueci que as coisas praticas da vida existem aqui também, e assim como os iluminados de alto paraíso, aqui as pessoas também precisam de dinheiro. Cheguei e fui logo em busca de um emprego. A Vila é bem pequenininha, então não é muito difícil rodar por todos os comércios em busca de uma vaga. Bati em todas as portas, e nada. A já velha conhecida condição da baixa temporada. Com tantas negativas e falta de perspectiva, me deixei desesperar. Rolou um cansaço acumulado de coisas que eu não deixava emergir, e que ali ganharam espaço, e foram mais fortes. Uma fragilidade, uma preguiça de resistir e simplesmente encontrar uma solução. Fiquei no vazio da necessidade, me sentindo sozinha, e estava. Em um caminho que eu mesma escolhi. Onde  la garantia sou yo, parafraseando Marília Costa. Parei um minuto, dei uma respirada e lembrei da minha mãe: "quem chora não chega a lugar nenhum" . Chorei mesmo assim. Mas foi um choro de descarrego de toda aquela angustia e desolação daqueles breves minutos. Sim, isso tudo eu senti andando pela cidade, que é muito curta, então foi rápido. Um breve despencar.
Logo avistei o motorista do ônibus em que viemos de Seabra pro Capão, e fui me informar sobre os horários, uma única viagem por dia, saindo da vila as 06:00.  Se nada acontecesse, eu iria embora no dia seguinte.
Eu poderia ficar nas casa do Passarinho, que me recebeu muitíssimo bem. Ele mora em uma casa que esta abandonada há alguns anos. Seria uma ocupação, mas o dono autorizou a permanência dele e de um amigo. Ele esta lá ha dois meses, nos quais ele passou a maior parte do tempo viajando. A casa esta bem abandonada, vazia, sem banheiro e muito sinistra. Enfim, eu com minha frescura, que nem sei se devo chamar assim, na verdade, na minha vontade de viver as coisas, e no meu caminho de aprendizado, ainda não cheguei neste desapego. Ta certo que dormi no chão de baú de caminhão no trajeto, em escola municipal invadida durante o festival, em quintal alheio, chão da casa de desconhecidos e etc. Mas não podia contar com a possibilidade de ficar na casa do Passarinho por muito tempo.
Estava decido, a manhã seguinte seria a manhã da partida.
Passei por um padaria na volta, Pra comprar um pão integral que o Passarinho havia pedido. Lá fiz mais algumas tentativas , assuntando por ali sobre um emprego. Foi ai que eu conheci Dula, Kordula. Uma austríaca, que esta no Brasil ha muitos anos, e no capão ha 15.
Ela pediu Pra que eu fosse ate seu sítio no dia seguinte, Pra conversar. Eu aceitei.
Peguei meu pão e fui embora. Ainda queria ir embora, mas por que não ficar e ver no que dava?
Fui, conversamos, e foi uma conversa linda e emocionante. Nada profissional.
Uma pessoa muito especial e diferente, como o significado do nome já diz, "caminho do coração", e que coração.
Na conversa descobri que ela é uma terapeuta e massoterapeuta, conhecedora de técnicas alternativas. E ela que precisava de ajuda com seu sítio, descobriu que eu era produtora em SP, e abriu um enorme sorriso, pois estava precisando muito de alguém para auxilia-la na produção de congressos e retiros. Me ofereceu casa e comida em troca da ajuda com o sítio e a organização de seu trabalho. 
O meu novo lar é maravilhoso, meu quarto é dentro de um templo onde ela atende seus clientes. O chuveiro é frio e ao ar livre. O banheiro, é um banheiro seco, mas de forma alguma eu posso reclamar. Só posso agradecer. A adaptação tá rolando. Na verdade já até acostumei. Menos com o banho frio.
No momento da nossa conversa eu estava com o coração apertado. Mas logo me desmanchei diante daquele caminho que meu coração recebera.
Acreditando que nada é por acaso, vou viver esse encontro. Certa de que não estou sozinha, tem um universo inteiro a meu favor.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Segue o seco

No meio de tantas figuras que conheci em Alto Paraíso, estavam as flores Nati e Gabi, como já disse. Não tivemos muito tempo próximas, mas gostei das duas logo de cara. Em minha primeira vez na casa delas, ja comecei a dar palpites na decoração. Elas entraram na onda e fizemos todo um projeto de reestruturação da casa, incluindo a exclusão de algumas paredes. No fim fiquei devendo as  prateleiras diferentes que  ainda estão em fase de desenvolvimento na minha cabeça. Estas prateleiras começaram toda a conversa sobre a decoração, quando disse que Pra mim era uma idéia recorrente sempre que entro na casa de amigos e novos conhecidos nestes últimos meses. A maioria são viajantes, que mesmo estando a meses no lugar, não estão acostumados a acumular coisas, pois podem resolver ir embora a qualquer momento, mas ao mesmo tempo suas casas, ou quartos, são sempre desorganizados, alguns são bem organizados, ok, mas todos são sempre sem identidade, com as paredes lisas, sem nada que lembre uma vida em andamento no ali. E por algum motivo eu sempre associo prateleiras para ajudar nesta mudança. Enfim, estou devendo prateleiras para as duas flores do cerrado, de quem sentirei saudades.
Outro que conheci no susto foi Gastão, vulgo  Passarinho, como já disse aqui. 
Um uruguaio amigo do pessoal. Morava em Alto Paraíso, mas ha alguns meses mudou de Chapada, e foi pro Vale do Capão.
Eu pedi alguém Pra me acompanhar na carona, de volta Pra Bahia, e veio ele. De repente.
No dia 06 de Agosto, eu e Passarinho nos encontramos muito cedo na rodoviária de Alto Paraiso. Tenho que frisar que ele se atrasou meia hora,  e eu estava lá pontualmente as 05:30 (sim, eu consigo chegar no horário. Só por hoje)
Fomos Pra estrada, da coisa fluiu bem mais fácil do que eu esperava. Três caronas, e em um dia e meio estávamos aqui.
Chegar nos lugares é bom, mas o caminho tem se mostrado muito, muito especial Pra mim. Na estrada é sustiver ter um misto de sentimentos de forma intensa. Acho que é o maior exercício de auto conhecimento com o qual  me deparei ate hoje. Isso sem falar na paisagem.
Me emocionei com a beleza das montanhas, e são muitas entre essas duas chapadas. Me se ti pequena vendo aqueles lindos gigantes de pedra, cada vez maiores a medida que me aproximava. Tão perto, e tão grande. Em tamanho e beleza. Construções que realmente só podem ser divinas, por que nada explica o encaixe e oposição de algumas pedras, que pela lógica humana seriam inviáveis em sustentação e durabilidade. Mas o cara que montou isso aí...esse cara manja.
Ao longo da BR 242 é possível ver sempre um conjunto de montanhas recortadas no horizonte, com um céu azul de fundo. Também da Pra ver a mudança na vegetação. Antes de chegar nessa estrada vi desertos a perder de vista, terras secas,totalmente desmatadas para o plantio de soja ou algodão. Uma das várias e grandes tristezas resultantes da mão do homem. Nem sequer uma árvore, um chão vermelho, que naquele calor, parecia pegar fogo. Até onde a vista alcança. Desolador.
Na 242 seguia o seco. O cerrado continua por uma boa parte da Bahia, e o mesmo que vi na ida, vi na volta. Boi morto na beira da estrada. Um gado magro dentro das cercas, com um capim aqui e outro lá, seco, que não tinha nem cor. Ali não tinha a opção, de derrubar ou não derrubar. Ali não nasce, não cresce.
Gente andando no meio de um nada, onde muitos km separam os vilarejos de beira de estrada, e a paisagem não alimenta a esperança, com seus potes, seguindo em busca de água. Onde? Nem imagino.
Vários jegues parados em volta de uma caixa d'água, enquanto os donos abastecem seus baldes e galões.
E o caminho seco, seco de tudo. 
Fez rever muitas coisas, muitas prioridades e atitudes. Fez pensar ali dentro, onde dói a mudança, que é tão pequena e ridícula perto das agruras desta vida, desta gente que sofre quieta e parece tão amarrada na falta de condições de mudar.
Ali eu quis ser menos, menos tudo que me infla e me impede de enxergar. Mas não de fazer, por que lamentar não enche barriga. E nem faz água brotar.
Alguns km a frente o cenário mudou . As montanhas ainda estavam todas lá, mas o céu cardado de nuvens no horizonte indicava que a Chapada Diamantina  já se aproximava.
Senti a fisgada da brincadeira dos Deuses do Olimpo conosco, um jogo de mau gosto.  M uma distancia relativamente curta, seguindo pela mesma estrada, a diferença climática seja tão gritante, e tão desproporcional.  Depois de chegar no Capão, eu viria a saber que só recentemente a Chapada saiu de uma seca de dois anos. Onde a beleza não secou, mas a chuva ao era suficiente Pra molhar a terra, e nem Pra manter todas as nascentes. E muito se perdeu nos incêndios na mata da Chapada.
Eu e Passarinhho chegamos no Capão por volta das três da tarde. EE. Baile mostrando e explica do coisas no caminho. Quando chegamos em Seabra, eu tive que fazer um grande esforço para descer. O caminhoneiro que nos deu carona de Goiás até ali, Wilson, estava indo para Recife. Senti uma pontada das coincidências que não são coincidências me pegar, mas tive medo de chegar sem nada preparado e com pouca grana em uma cidade grande. E resolvi fazer como disse minha amiga Tati, "Pra ir na dúvida, fica na certeza". Então segui pro Vale do Capão, cheia de certeza. Duraria pouco, mas o que importa é o momento, e naquele momento eu estava certa da minha certeza.




domingo, 11 de agosto de 2013

O céu mais azul que o azul se permite ser

Fiquei quinze dias em Alto Paraíso, mais ou menos. Esta difícil manter atualizada as postagens aqui, por conta do acesso, não tão acessível, à internet.
No azul mais azul que um céu pode ter, vivi o absurdo de estrelas, cravejando um teto de exaltação à vida sobre a minha cabeça, me mostrando mais uma vez o quanto sou pequena, ao mesmo tempo que sou tão grande quanto o que me cerca, uma vez que faço parte de tudo isso.
No cerrado a vida é amarela, quente, com variações de verdes chapados,  cobertos por uma névoa de poeira fina e bege, que deixa tudo fosco, pastel. Essa paisagem é salpicada por flores que brotam em todas as ruas de Alto Paraíso. Lindas combinações de vermelhos, laranjas e violetas, em flores que não pude guardar os nomes, mas tenho as formas cravadas na retina. A boca aberta diante do Ipê, alto e cheio de um amarelo inaceitável.  E eu me questionava a todo tempo como é possível tanta riqueza e tanta beleza naquela secura de clima. E naquela variação brusca de temperatura, onde amanhece quarenta graus, chega a níveis indecentes de calor por volta das 14:00, e o por do sol é o tempo exato que se tem para vestir "aquela"blusa, calça e tênis, por que no momento que o sol se pôs, amigo, é chá quente e fogueira Pra esquentar os ossos.
E as araras, me acompanhando até a padaria? E os tucanos voando baixo enquanto eu estava ali, parada na praça em frente a rodoviária? Como faz Brasil?
Uma beleza muito intensa e muito contrastante, de cores tão vivas com uma variação de muitos verdes esmaecidos e opacos das matas ao redor da cidade, na Chapada. E apesar de tudo isso o mais impressionante Pra mim é a imagem da vegetação na beira da estrada, em todas as estradas da região. Uma cor completamente diferente do resto, como se uma cerca viva, pintada de cobre, acompanhasse a estrada. Completamente coberta com o pó, sem qualquer vestígio do verde natural. 
Tive a sorte de poder acompanhar o trabalho do Raiz com Evandro, um pintor de São Paulo, que pintava as belezas da chapada enquanto era fotografado por Raiz. Assim pude conhecer um pouco mais da chapada e do seu trabalho, um lindo trabalho alias. Uma figuraça também. Com o corpo coberto de pinturas de padrões indígenas, acocorado no meio do nada, de frente pro cavalete, cercado de tintas e pincéis cravados na terra, reproduzindo as belezas daquele lugar. 
Vou sentir falta da Feira do Agricultor, com todas as suas delicias. E onde quase voltei nua, por que tudo que tinha troquei por doces, bolos e chocolate do pessoal da Tao do Cerrado. Tudo orgânico e gostoso de um jeito...quase indecente, com receitas que misturavam frutas, ervas, enfim, tudo do cerrado. 
 E foi em uma das noites mais frias, quando fomos agraciados com uma fogueira de aniversario, na casa do Ivan Anjo que me aproximei de Nati, Gabi e Passarinho.
Essa fogueira foi memorável. Não sei se haviam mais músicos ou mais instrumentos. Quanta gente talentosa. Teve quem cantou, quem dançou, quem contou historia e quem poetizou lindamente em volta da fogueira. Não sou muito de dizer esse tipo de coisa, mas a energia ali era outra.
Talvez Alto Paraíso tenha deixado sua marca. 
Alguns dias depois de desistir de uma carona com Evandro, que me levaria ate o Rio de Janeiro e depois SP, comecei a desejar uma companhia para seguir de volta para a Bahia, nem estava muito certa de quando queria ir, mas queria alguém Pra ir junto. E neste mesmo dia, na casa da Nati e da Gabi, enquanto estávamos falando sobre a chada Diamantina e o Vale do Capão, Passarinho vira de repente e me pergunta " vamos de carona pro Capão?". Eu respondi que sim, meio que no automático, então perguntei quando, e ele respondeu de pronto, "amanhã". Veja bem, não foi uma pergunta, foi uma afirmação. E esta Geminiana que voz fala, confusa e indecisa, foi contaminada com toda a certeza e decisão de Passarinho, e respondeu confiante que sim..."mas será que pode ser depois de amanhã? "

sábado, 10 de agosto de 2013


Fiquei uma noite, que virou duas, que viraram três...

Logo que cheguei aqui me disseram que Alto Paraiso era um lugar caprichoso, que escolhia as pessoas. Se é verdade ou nao eu nao sei, talvez nao tenha tido tempo para descobrir, mas vi que o Paraiso se equilibra em coisas terrenas e divinas, quase na mesma proporção.
Fui brindada por experiências muito fortes, que não posso afirmar serem exclusividade do local, mas com certeza aqui tem uma coisa a mais. Um movimento que me balançou, e me trouxe uma inquietude que ainda nao sei explicar. Só sei que foi assim.
Lá atras, o dia 21 de Julho, cheguei em Vila de São Jorge, onde, procurando um lugar Pra ficar conheci Junior, um maluco da BR, que ha tempos parou por aqui. Junior nos ofereceu o quintal do Danilo Pra acampar, o Danilo mesmo não estava, tinha ido a um festival de música Eletronica na Pedra da Lua, mas a casa estava cheia. O esquema do quintal era acampar aquela noite e sair bem cedo no dia seguinte.
Na manhã seguinte acordamos e encontramos Junior e um outro cara, vindo diretamente de woodstock, ambos com uma certa euforia que nao condizia com o horário, mas que condizia com a loucura da cidade onde estava acontecendo o Encontro de Culturas e muitas festas simultâneas, todas as noites, a noite inteira. Na casa do Danilo conheci Bruno, o Raiz. Igualmente falante e eufórico. Dali Nelson e Janina queriam seguir para a Aldeia Multietnica, que ficava a quatro km de São Jorge. Fiquei balançada, Por que queria ficar na cidade, para o Encontro, e foi ai que eu e meus parceiros de viagem, até então, nos separamos.
Fiquei na casa do Danilo, só por uma noite, que virou duas, que virou três.
E consegui conhece-lo, pouco antes de ir embora e a tempo de agradecer pela estadia daquela casa super movimentada, inclusive na ausência de seu dono.
Por lá passaram Juliana, seu companheiro e seu filho, Irineu, que só ia lá pra usar a cozinha e fazer suas cocadas, que vendia nas ruas durante os shows do encontro, sempre acompanhado de um trompete. Junior, com muitas historias sobre suas viagens e muito artesanato, e alguns outros, com quem não cruzei, só ouvi falar.
O encontro de culturas foi no mínimo interessante. Me diverti demais nas vivências e oficinas. Muitos grupos sensacionais de cultura regional. Os calos e bolhas na mão, de descascar cacau, recém curados voltaram com força total durante as oficinas de percussão, Maracatu, tambores do Maranhão e afins.  Em cinco minutos de oficina Chegaram as bolhas, mas Valeu muito a pena.
E o Raiz virou amigo, me recebeu em sua casa quando fui de São Jorge para Alto Paraíso.
Me contou sua historia, de como um raio mudou sua vida. Depois de quase morrer, passou três meses desmaiando pela cidade, começou a tocar instrumentos nunca tocados antes e descobriu a fotografia como profissão. Por insistência do pai, que saiu de Curitiba para Alto Paraíso quando soube do ocorrido semanas depois, Raiz foi ao médico e descobriu que parte de seu sistema nervoso ficara instável, uma certa região foi gravemente afetada, em contra partida uma outra região despertou, trazendo lindas surpresas como a flauta, o violão, a fotografia, a poesia e a vontade extrema de viver. Ele tem um certo tremor nas mãos de vez em quando, mas hoje vive e faz arte, que brota dele.
Antes de ir quero compartilhar a emoção que senti semana passada, quando parte da minha vivência foi colocada de forma tão linda e tão clara no blog "Entre duas línguas", do meu amigo Demis. http://entreduaslinguas.wordpress.com/2013/07/31/nu-meio-do-caminho/
Foi bonito de ver, de ler, em palavras que não encontro, um pedaço de minhas verdades.
Obrigada mais uma vez Cubano. Boa caminhada Pra nós.